UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
PROGRAMA DARCY RIBEIRO
CURSO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
PROFESSORA CLAUDIA SILVA
ANDERSON CORRÊA PEREIRA
BREVE HISTORIOGRAFIA DO RACISMO NO BRASIL:
DA COLÔNIA À CONTEMPORANEIDADE
Pinheiro – MA
2011
RESUMO
O presente instrumento consiste, a priori, numa revisão da literatura voltada na perspectiva da questão racial partindo do pressuposto do surgimento do homem a partir da África e seu desenrolar até as civilizações grega e romana. Para tanto, valemo-nos de estudos de especialistas da área, bem como de diversos outros autores que durante suas explanações fizeram referencia a esta abordagem. A partir desse ponto de vista refletiremos a força da influência de concepções pré-históricas para o desenvolvimento do racismo, sobretudo em países europeus, expandindo-se para suas colônias, a qual nos deteremos na análise da colônia brasileira. Decorrente dessa introdução desenvolveremos uma breve historiografia sobre a realidade do negro no Brasil desde sua fundação até a contemporaneidade. Deste modo, abordaremos diversas temáticas referentes ao tema proposto, sobretudo algumas conquistas que fizeram com que os negros pudessem mudar a realidade do pensamento preconceituoso quanto à cor da pele. Tal abordagem se dá pelo fato de que ainda é visível a exclusão de pessoas negras, mesmo depois de muitas conquistas legais
Palavras-chave: Racismo. Negro.
Antes de iniciarmos a discussão sobre a temática proposta, percebemos a necessidade de resenhar, mesmo que brevemente, alguns aspectos sobre o surgimento do sistema de escravidão racial. Quanto a esta temática, tomaremos por base o livro de Carlos Moore Wedderburn, intitulado O Racismo Através da História, em que é afirmado o surgimento humano a partir do continente africano. Nesta obra estão presentes interpretações de Charles Darwin, que em 1871 já afirmava o surgimento do gênero homo a partir deste continente e de Raymond Dart, da University of Wiwatersrand, que encontrou e estudou o fóssil de um crânio da África do Sul. Não por acaso estes estudiosos apontam a África como berço do surgimento humano, pois inúmeros fatores naturais colaboraram para um desenvolvimento eficaz da espécie humana. Destes fatores, podemos citar a posição da terra em relação ao sol, que dificultava a formação de geleiras na região que conhecemos hoje como Africa, ficando mais expostas à radiação solar, o que facilitou o desenvolvimento da espécie. “Neste sentido, a nossa origem comum africana se deve a uma mera exigência geofísica e biológica”. (Wedderbum, 2007, p. 21).
Considerando esta formação humana, e a obra do antropólogo espanhol Gervásio Fournier-González (1901) La Raza Negra es la más Antigua de las Razas Humanas (A Raça Negra é a mais Antiga das Raças Humanas), citada por Wedderbum, podemos entender como se deu o surgimento do racismo ao longo da História. Segundo Wedderburn:
A tese central de Fournier assenta-se na antiguidade absoluta da raça negra sobre todas as raças atuais, na Ásia, na África e na Europa. O desenvolvimento e formação da “raça mista ou morena” no Mediterrâneo, explica o antropólogo, seria o resultado de mestiçagens ulteriores advindas dessas populações negras com “povos geográficos” que se diferenciaram racialmente em tempos relativamente recentes. Trata-se, sobretudo, do desenvolvimento e formação da raça branca no centro da Europa, e da raça amarela na Ásia.
Nessa obra ele também propõe “uma reconstrução histórica e geográfica das raças humanas na antiguidade” (Wedderbum, idem, p. 25), pois considera que os povos pré-históricos da Europa são mais recentes que os povos pré-históricos da África. Não podemos tomar a visão de Fournier como verdade absoluta, mas é de considerar que muitos pensamentos deste autor são coerentes e devem ser apreciadas. É a luz, também, dos pensamentos de Fournier que podemos argumentar, de acordo com o que a comunidade científica atual acredita, sobre o surgimento de diversas raças, considerando, a princípio, que o surgimento do gênero humano surgiu na África e que aproximadamente 100 mil anos atrás o homo sapien sapien saiu deste continente em busca de novos lugares para habitar. Não se pode afirmar se eram negros os povos habitantes da África, mas é sabido que os seres eram melanodérmico , pois as condições climáticas da região possibilitava essa pigmentação, sobretudo à grande incidência de raios ultravioletas, afinal essa pigmentação serviria de proteção contra esses raios. Deste modo, as raças são, senão, respostas às diferenças do meio onde esse indivíduo estava inserido, sendo as populações leucodérmicas “uma variação adaptativa das populações de pele escura”. (Wedderbum, 2007, p. 28).
Separadas por milhões de anos e sob a influência de um meio favorável, a população que antes era melanodérmico, agora tornara-se leucodérmicas, dando abertura às diferenças dentro da mesma espécie. Com a necessidade de novas expansões territoriais, povos melanodérmico e leucodérmicos enfrentam-se como se fossem grupos diferentes. É por essa razão que Wedderburn (2007) afirma que “a hostilidade e o medo da cor especificamente negra é um fenômeno francamente universal, que se encontra nos mitos e nas culturas de todos os povos não-negros sem exceção”. Com isso espalha-se uma aversão à cor negra em toda a Europa, associando-se esta cor à fatores por vez negativos: “‘luto’, ‘tenebroso’, ‘maléfico’, ‘perigoso’, ‘diabólico”, ‘pecado’, ‘sujo’, ‘bestial’, ‘primitivo’, ‘inculto’, ‘canibal’, ‘má sorte’...” (Wedderburn, 2007, p. 30). Tais afirmações podem ser comprovadas a partir de estudos de mitos e textos antigos dos povos euro-semitas, como é o caso da Europa, incluindo a própria Bíblia e o Alcorão. (Estas análises precisarão de um tempo maior para discussão, o que não é caso agora).
Afastando-nos de eras mais longínquas e avançando até as civilizações grega e romana, poderemos observar as claras distinções entre seres humanos (bárbaros e civilizados, livres e escravos, etc.). Nestas civilizações, de modo geral, é considerado “bárbaro” todo aquele que está fora dos padrões pré-estabelecidos por eles próprios, concebendo, pois, a escravidão como forma principal e dominante de se produzir. A princípio, os escravos eram brancos europeus, mas com a expansão destes impérios, parte da África e do Oriente Médio passaram a fazer parte do grupo dos escravos. Muitas referências à cor negra na civilização greco-romana são observáveis a partir dos estudos de textos destes dois grupos, como podemos observar nas descrições de Wedderburn (2007, p. 35):
No que concerne às bases do pensamento helenístico e romano sobre a natureza humana, o texto da Ilíada, de Homero, registra enigmáticas referências a lutas violentas pela posse do Mediterrâneo, entre “xantus” (cor clara) e “melantus” (cor preta), [...]. De todo modo, o fato é que, no pensamento greco-romano, a natureza e a inteligência humana foram também abertamente definidas segundo critérios baseados no fenótipo. A Fisiognomica de Aristóteles [...], por exemplo, é racialmente determinista, fixando qualidades e defeitos morais do ser humano segundo critérios baseados puramente no fenótipo. Entre esses, “a cor demasiado negra é a marca dos covardes”, enquanto “a cor rosada naturalmente enuncia as boas disposições”.
Os árabes também iniciaram uma grande exploração dos povos africanos, aproveitando-se de fraquezas deixadas por civilizações como a grega e a romana. Tão grande foi o domínio árabe, que se espalhou por quase toda a costa africana, de modo a facilitar o escoamento da “mercadoria” negra através dos mares Índico e Vermelho para a Europa, que era uma grande traficante de escravos negros.
O sistema escravista desenvolvido durante sete séculos pelos árabes-muçulmanos elegeu o continente africano, partindo da África do Norte, como o centro fornecedor da mercadoria que se buscava – escravos negros – para serem submetidos aos trabalhos domésticos, serviço de arma, o trabalho agrícola e serem utilizados como moeda internacional. Estas demandas da sociedade árabe-muçulmana desestruturam e destruíram as bases sociopolíticas de muitas sociedades africanas, pois foram política, econômica e militarmente obrigadas a ceder às pressões de um mercado escravocrata externo. Esse desenvolvimento avassalador do comércio de escravos chegou até a Europa, que se tornou herdeira do sistema escravista, sofisticando a cultura da escravidão assim como fizeram os árabes quando o herdaram dos gregos e bizantinos.
Em posse da maior estrutura de escravização existente na época, a Europa passa a expandir seu território e cada vez mais necessitar de mão-de-obra para produzir e atender às suas exigências. É nesse momento que surgem às expedições para além-fronteiras, chegando ao território que futuramente seria chamado de Brasil. Não diferente de muitas colônias que se possuía mundo afora, aqui no Brasil precisou-se de escravos para o trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. É interessante ressaltar que a escravidão africana neste país foi justificada a partir de preceitos religiosos contemporâneos, o que fez com que se desenvolvesse o pensamento de que os trabalhos brutos seriam de responsabilidade dos negros enquanto que os brancos ficariam na responsabilidade de liderar e conduzir estes mesmos trabalhos. É sabido que os negros trazidos da África não tinha nenhuma expressão cultural desenvolvida no Brasil, primeiro porque se acreditava na impossibilidade deste povo ter alma (concepção desenvolvida pelo catolicismo a partir de teorias de Montesquieu, pensador iluminista), depois porque suas jornadas de trabalho não possibilitavam que expressassem sua religiosidade, por exemplo. Mesmo que tivessem tempo, a sua condição de escravo não lhe permitiria, haja vista que era proibida qualquer manifestação cultural por parte de escravos, até porque, estes eram tratados como mercadorias, portanto desprovidos de qualquer capacidade sentimental. Para sair do domínio dos senhores de engenho, uma das possibilidades que se tinha era fugir rumo ao quilombo, que servia de refúgio para os negros e era onde se podia, de alguma forma, manifestar sua cultura. É interessante ressaltar que os negros vindos da África faziam parte de inúmeros países e que por sua vez tinham costumes e crenças que se diferenciavam. No entanto, naquele memento, estar longe do domínio do homem branco e poder expressar-se com “liberdade” era o suficiente para imaginar estar mais próximo de sua origem.
Depois de o Brasil ter importado “cerca de 5 milhões de africanos” (Guimarães, 2001), não era de se esperar que a população brasileira torna-se mais negra do que branca. Como prova da superpopulação, ocorreram inúmeras revoltas entre negros e brancos, sendo por vez sem sucesso, afinal a dominação ainda era dos europeus. Outro fator que impossibilitava vitórias por parte dos negros era a falta de apoio por parte da igreja católica, pois esta, mesmo que não oficialmente, permitia a escravidão de negros, primeiro porque não queria que os índios fossem escravizados, depois porque trazendo negros para o Brasil estariam de acordo com os interesses econômicos de potências europeias que se denominavam cristãs, que eram seus maiores aliados políticos. Deste modo o Brasil esteve durante muitos anos utilizando-se do sistema de escravidão negra, em compensação a luta por igualdade nunca foi abandonada, ajuntando-se a esta causa inúmeros brancos que, aliados aos movimentos negros, exigiram a libertação destes do trabalho escravo. Deste modo, e após muitas lutas, em 1888, foi decretado a Lei Áurea, que definitivamente deixava livre os negros do sistema de escravidão. Vale lembrar que mesmo antes dessa Lei, existiram outras leis que isentavam os negros do trabalho escravo, como é o caso da Lei do ventre livre e a Lei do Sexagenário, que mesmo não sendo de benefício para todos os negros, acabava por dá esperança de um futuro de “liberdade”. É interessante perceber que após a abolição da escravatura, não se obteve preocupação por parte de governo para assistir essas pessoas. Deste modo foi inevitável a marginalização de inúmeras pessoas e a associação direta do negro com pontos negativos. Sua religiosidade foi reprovada, partindo do pressuposto cristão, seu trabalho foi desvalorizado, pois não existia escolaridade e muitos outros aspectos foram sendo reprovados pela sociedade contemporânea.
Avançando um pouco mais na história, começamos a perceber a dificuldade de socialização do negro, consequência da marginalização que fora criada muito antes da vinda deste ao Brasil. Consequência desta problemática, surgem a dificuldade de enquadrar-se nas exigências impostas pelo capitalismo do século XX. Ainda que o reconhecimento dos negros fosse oficializado por lei e que o preconceito a estas pessoas fosse reprimida, não facilmente essas problemáticas foram resolvidas na prática diária de milhares de pessoas. Sobre este pensamento, Sousa (2012) contribuinos com estas palavras:
Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema.
Ainda no século XX, foi possível observar inúmeras conquistas dos negros a favor de sua aceitação com normalidade dentro das sociedades em que estavam inseridos. Tal mobilização chegou ao âmbito político, que foram respondidas por leis e projetos assistencialistas aos inúmeros grupos de negros espalhados pelo país. Não encerra-se portanto a problemática de preconceito com leis e projetos, é necessário que haja uma mudança na concepção das pessoas e para que isso aconteça valeu-se da escola, pois é esta que é responsável pela formação de pessoas na sociedade. Mais um problema é enfrentado: como ensinar sobre os negros? O que ensinar? Respostas não surgem e tudo vai acontecendo da forma que se pode. Os livros didáticos são repletos de concepções distorcidas e estereotipadas sobre essas culturas e alé disso poucas informações torna-se disponíveis, sem falar na falta de formação para os profissionais, que além de precária, acaba sendo insignificante frente a imensidão de informações a serem observadas. Por serem deixadas sem muitas atenções, a questão racial acaba sendo deixada de lado e passa-se a ter a ideia que tudo está resolvido. Quanto a esta ótica, Moore (2007), alerta-nos com este pensamento:
Talvez como reação à desmistificação do mito-ideologia da “democracia racial”, correntes de neo-racismo estão surgindo no Brasil a partir dos anos 2000, justamente no período em que, pela primeira vez, o próprio Estado manifesta publicamente sua preocupação diante do crescente quadro de desigualdades sócio-raciais. Assim, existe uma tendência crescente a trivializar o racismo, seja relegando-o à esfera puramente das relações impessoais, seja reduzindo-o ao plano de meros preconceitos que “todo o mundo tem”.
Mediante toda esta explanação, finalizamos atentando à necessidade de inúmeras mudanças, sejam elas e esferas pessoais ou governamentais, pois entendemos que uma complementa a outra, afinal é feito de pessoas o governo e é para pessoas que o governo existe.
REFERÊNCIAS
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GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A questão racial na política brasileira (os últimos quinze anos). Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 13(2): 121-142, novembro de 2001.
SOUSA, Rainer. Democracia Racial. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/historia/ democracia-racial.htm >. Acesso em: 21/01/2012.
WIKIPÉDIA. História do racismo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Hist%C3%B3ria_do_racismo. Acesso em: 21 de janeiro de 2011.
ALMEIDA, Sílvia Capanema P. de. Somos ou não somos racistas?. Reportagem – Revista História viva. Edição 37 - Novembro 2006 - Duetto Editoria. Disponível em: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/somos_ou_nao_somos_racistas__imprimir.html. Acesso em 21 de janeiro de 2011
GUIMARÃES. Antonio Sérgio Alfredo. A questão racial na política brasileira: os últimos quinze anos. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 2001: p. 121-142.
THEODORO, Mário. As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008. 176 p.
IANNI, Octavio. Dialética das relações raciais. São Paulo: Unicamp, 2004