RESUMO
O presente instrumento consiste, a priori, numa revisão da literatura voltada na perspectiva da temática deficiência na época medieval. Para tanto, valemo-nos de estudos de especialistas da área, bem como de diversos outros autores que durante suas explanações fizeram referencia a esta abordagem. A partir desse ponto de vista refletiremos a força da influência de concepções medievais na sociedade contemporânea, mais especificamente na sala de aula de uma escola da rede municipal de ensino do município de pinheiro onde três alunas surdas estudam. Tal abordagem se dá pelo fato de que ainda é visível a exclusão de pessoas com deficiência, mesmo depois de muitas conquistas legais, como é o caso da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Palavras-chave: Deficiência. Educação. Idade Média.
A vida de pessoas com deficiência sempre foi marcada por sofrimento, algumas vezes mais outras menos, mas sempre carregando o pesado fardo de ser “diferente”. Basta olharmos para o passado mais distante possível e lá encontraremos alguém ou algumas pessoas que sentiram na pele a dor de ser diferente diante de grupos que pregavam a igualdade. Fixemos nossos olhares para a Idade Média. Por muito tempo foi considerada o período mais sombrio da humanidade, mas para os deficientes nada mais era que mais um tempo de exclusão e diferença.
Muitos relatos foram feitos e muitos pensadores, por vez, fizeram menção a esta problemática, sobretudo os estudiosos ligados ao Cristianismo, pois era ele quem mantinha grande parte dos escritos dessa época, afinal de contas naquele período a massa populacional não possuía saberes básicos (por nós hoje considerados) como ler e escrever. Com o desenvolvimento do Cristianismo, a concepção de homem passou por modificação e agora este passa a ser um ser criado por Deus e dotado de razão. Tratado, também, como criatura de Deus, o deficiente passa a ser possuidor de uma alma e exterminá-lo não se fazia mais necessário, assim como era feito em civilizações passadas onde o diferente era humilhado, torturado, desprezado e morto.
"Na Esparta, os imaturos, os fracos e os defeituosos eram propositalmente eliminados. Consta que os romanos descartavam-se de crianças deformadas e indesejadas... em esgotos localizados, ironicamente, no lado externo do Templo da Piedade. A busca de compreensão sobre tais procedimentos exige que estes sejam olhados no contexto da organização sócio-política-econômica então vigente na sociedade. (Aranha, 2001)"
Assim observa-se, na Idade Antiga, a prática de uma organização sócio-política fundamentada no poder absoluto de uma minoria numérica, associada à absoluta exclusão da maioria da sociedade. A pessoa com deficiência, nesse contexto, como qualquer outra pessoa do povo, também parecia não ter importância enquanto ser humano, já que sua exterminação (abandono ou exposição) não demostrava ser problema ético ou moral.
Assim sendo, a Igreja e a Família passam a responsabilizarem-se por este indivíduo que agora é “igual a todos”. Vale lembrar que não existem relatos de que foram realizados algum tipo de amparo social pela Igreja exclusivamente a estas pessoas. Sobre esta ótica, ARANHA (1995), contribui-nos com seus estudos confirmando esta visão:
"Gradativamente, sua custódia e cuidado passaram a ser assumidos pela família e pela Igreja, embora não haja qualquer evidência de esforços específicos e organizados de lhes prover de acolhimento, proteção, treinamento ou tratamento."
É importante ressaltar que nem sempre esse tipo de concepção permaneceu vigente e que mesmo no período medieval a visão de deficiente foi modificada por vários motivos, um deles foi a Inquisição católica e a Reforma Protestante que contribuíram para a mudança na noção teológica de pecado e do próprio homem que agora passa a ser visto como uma besta demoníaca quando lhe venha a faltar à razão ou a ajuda divina. Deste modo vemos na Idade Média o deficiente sendo visto ora como intenções divinas e ora como possessão demoníaca. De qualquer modo, a sociedade medieval acabava por ver os deficientes com rejeição e intolerância o que fazia com que estas pessoas fossem punidas de alguma forma, seja por aprisionamento, tortura, açoites e tantos outros modos de castigos.
A relação da sociedade com a parcela da população composta pelas pessoas com deficiência tem se modificado no decorrer dos tempos, tanto no que se refere as noções mais subjetivas, ligadas as teorias que norteiam a pratica do homem, como no conjunto de práticas realizadas pelos próprios homens em busca da efetivação do que foi pensado. Assim surgiu a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtiem – Tailândia, no ano de 1990, e a Declaração de Salamanca, firmada na Espanha em 1994, que marcam, no plano internacional, momentos históricos em prol da Educação Inclusiva. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, art. 208, inciso III, o Plano Decenal de Educação para todos, 2000 – 2010º Plano Nacional de Educação na Perspectiva da Inclusão e os Parâmetros Curriculares Nacionais são exemplos de documentos que defendem e asseguram o direito de todos à educação, dentre eles os deficientes.
Decorre destes pressupostos, a formulação desse estudo que tem como objetivo geral investigar as concepções do período medieval, no que tange a pessoas com deficiência, e fazer uma relação com a relação com a vivência da contemporaneidade no âmbito de uma sala de aula de 4ª série da escola Dr. Pedro Lobato situada na cidade de Pinheiro e que estão em estudo três alunas surdas. É nessa realidade que dar-se a análise presente neste documento e que cujo resultado é decorrente de observações feitas ao longo do ano letivo de 2010.
Pode ser observado no contexto acima citado, a presença mascarada de quase todas as concepções que estavam presentes na Idade Média além de algumas práticas que a humanidade não deixou de ter mesmo diante de tantos apelos às mudanças quanto à forma de comportamento diante dos deficientes. É visível na vivência das alunas surdas na escola a presença de sentimentos de pena e dó em pessoas que, alheias as mudanças ocorridas na sociedade quanto aos deficientes, veem nas alunas um motivo para rogar a Deus pelos possíveis sofrimentos que elas passam. Tal situação é decorrente de pré-conceitos criados pela própria família dos deficientes que muitas vezes desconhece as capacidades e as possibilidades que o filho possui o que acarreta na superproteção e isolamento, permitindo que outras pessoas acreditem nessa mesma visão.
Ainda referindo-nos as relações com outros indivíduos, detectamos que a falta de conhecimento da Libras acaba dificultando uma interação maior com as alunas surda, tanto por parte do professor quanto dos demais alunos. Mesmo assim, é notório que muita gente age por conveniência à situação. O que queremos dizer é que algumas pessoas acabam comportando-se bem diante das deficientes por uma questão de conveniência social, pois caso aja de modo a ofender este indivíduo, pode ter uma grande complicação jurídica, uma vez que esta pessoas estão protegidas por leis específicas e pela própria Constituição. Era exatamente desta forma que na Idade Média os indivíduos “normais” comportavam-se, no entanto foi somente explodir uma nova concepção de pecado e tudo voltou a ser como era antes, ou seja, as pessoas com deficiência voltaram a serem alvos de todo tipo de insultos, castigos e repreensões sociais.
É importante também mencionar, que mesmo em épocas tão distantes e depois de tantas mudanças que o mundo já passou, é possível verificar que as pessoas com deficiência acabam tendo que serem protegidas por uma instância maior para que seus direitos sejam preservados, como é o caso do direito de ir e vir sem restrições. Fica uma interrogação quanto à formação religiosa deste tempo: se somo todos cristãos e buscamos amar o próximo como a nós mesmos, assim com nos foi ensinado, porque necessitamos obedecer a “leis do mundo” para respeitarmos e aceitarmos um irmão diferente, tendo em vista que este é também um filho de Deus? Será que temos o direito de deixa-lo fora dos processos só porque não se encaixa num perfil considerado padrão? E a concepção de diversidade humana, onde fica? Todas essas questões podem, também, serem feitas olhando para o período medieval, claro respeitando cada momento em seu nível cultural, assim fazendo-se não cairemos no erro de julgar esta sociedade partindo dos princípios que regem a nossa.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Salete Fábio. Integração social do deficiente: análise conceitual e metodológica. Temas psicol. vol.3 no.2 Ribeirão Preto ago. 1995
ARANHA, Maria Salete Fábio. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas com deficiência. Revista do Ministério Público do Trabalho, Ano XI, no. 21, março, 2001, pp. 160-173.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Inclusão. Brasília: MEC/SEESP, 2007.
BRASIL. LEI Nº 10.436, DE24 DE ABRIL DE 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências.
BRASIL. DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília, Setembro de 2007.
FILHO, Cyro de Barros Rezende. Os pobres na Idade Média: de minoria funcional a excluídos do paraíso. Revista Ciências Humanas, UNITAU. volume 1, número 1, 2009.