RIBEIRO, Gladys Sabina;
PEREIRA, Vantuil. O primeiro reinado em
revisão. O brasil Imperial, volume I. 1808-1831. Organização Keila Grinberg
e Ricardo Salles. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
No contexto do
constitucionalismo e na época da chegada das primeiras notícias da Revolução do
Porto, em 1820, políticos como d. Pedro, José Bonifácil, Gonçalves Ledo e
Cipriano Barata participaram daquele tumultuado processo político que atribuiu
à palavra liberdade polissemia ímpar. (p.139)
No alvorecer
daqueles anos, discultiam-se os rumos de Portugal e do Brasil. As ideias
constitucionalistas tornaram-se prática a partir do movimento vitorioso do
Porto e da chegada à corte do Rio de Janeiro das boas novas trazidas pelo bigue
Providence, em 28 de outubro de 1820.
(p.139)
Buscava-se um
forma de viver a liberdade que levasse à satisfação das necessidades à
felicidade. (p.140)
A ambiguidade e a
tensão entre formas antigas e modernas de pensar e agir, com pontos de
superposição e de ruptura, marcaram os anos iniciais do Oitocentos. (p.140)
A historiografia
tem abordado o primeiro reinado como período tampão ou de transição entre a
proclamação da independência e a verdadeira libertação nacional, que seria o 7
de abril de 1831, momento da consolidação da autonomia e da derrota do
imperador d. Pedro I pelos princípios liberais. (p.140)
É dessa época,
por exemplo, a criação dos principais mecanismos legais desse Estado, tais como
a Constituição de 1824, a lei dos juízes de paz, o Supremo Tribunal de Justiça,
o Código Criminal, entre outros. (p.141)
A construção de
noções sobre as liberdades civis e políticas, tomadas distintamente, foi sendo
consolidada. Sobre as liberdades civis, havia o entendimento de que eram
direito amplo e válido para todos os membros da sociedade, incluídos os
estrangeiros. (p.141)
Quanto aos
poderes políticos fundados a partir da independência e da outorga da
Constituição de 1824, uma tensão permanente os envolvia: a disputa pela
soberania e pela representação da nação. De um lado tinha-se a compreensão de
que a soberania estaria sediada nos representantes do povo, os deputados. De
outro, leitura da representação segundo a qual a figura do imperador, aclamado
pelo povo e ungido pela igreja, seria o primeiro representante da nação.
(p.141)
No cenário
traçado, julgamos ser fundamental rever o que foi o Primeiro Reinado brasileiro
para ultrapassar a datação tradicional: [...]. Devemos compreender esse momento
à luz da problemática daqueles anos, não como pura cronologia. Fazemos, então,
duas propostas: 1) ampliar os marcos cronológicos em prol de uma leitura mais
abrangente do Primeiro Reinado, [...]; 2) sair da leitura feita pelo alto, em
que se privilegiam fatos políticos que costumeiramente balizam esse momento da
história do Brasil, [...].(p.142)
Segundo pensamos,
teria havido três ondas políticas no Primeiro Reinado, que envolveram intensos
debates e conflitos de rua. (p.143)
O ano de
1831marcaria o final de um movimento iniciado em 1826. (p.439)
No pico dessa
onda, temos o auge dos movimentos de rua, das discussões sobre os códigos e
sobre a reforma da Constituição. (p.439)
No contexto do
constitucionalismo e dos interesses de grupos existentes no Brasil e em
Portugal, a classe dominante estabelecia no atual sudeste e com interesses ligados ao comércio de
grosso trato passou a desejar que o estão reino do Brasil permanecesse autônomo
e livre, em igualdade de condições e de direitos com a antiga metrópole.
(p.144)
Valentim
Alexandre analisou os debates e as políticas dotadas pelas cortes liboescas e
os relacionou com interesses do comércio. Identificou quatro tendências: os
“integracionalistas”, os que queriam ceder aos desejos de autonomia do Brasil,
os que queriam esmaga-lo com o envio de tropas, [...] e os que mudavam de lado
a cada pouco. (p.144)
[...] a
independência foi um combate pela liberdade dentro da nação portuguesa. (p.145)
Através do debate
das cortes depreendemos que para as classes dominantes dos dois lados do
hemisfério a liberdade significava o direito de conservação da propriedade, fosse
em âmbito privado ou no círculo mais ampliado do comércio internacional e dos
direitos sociais e políticos estabelecidos. (p.145)
Para a maioria
das pessoas que compunham o povo, ter liberdade traduzia-se em atos pequenos do
cotidiano que foram tomando forma ao longo do século XIX e se constituíram em
direitos maiores, vinculados à cidadania e aos que passamos a chamar de
direitos civis. (p.146)
Para escravos o
maior dos benefícios era a alforria, para a qual muitos – mas nem todos –
lutavam com todas as forças. (p.147)
As autoridades
eram pressionadas e estavam sujeitas às reações populares de todo tipo
demonstradas no espaço público. Setembro de 1821 foi um mês movimentado: houve
a proliferação de panfletos com ideias sobre autonomia e liberdade, o que fez
com que d. Pedro reagisse demitindo o ministro dos Negócios do Reino, Pedro
Alvares Dinis. (p.147)
O ano de 1822 não
foi tranquilo. Começou com o Fico, [...] Logo Depois, [...] começaram as
hostilidades entre tropas portuguesas, [...]. O levante militar pretendia
prender d. Pedro à saída do teatro, leva-lo junto com dona Leopoldina e dois
filhos para a fragata União, obrigando-o a sair do país. (p.147)
Alguns
comerciante retalhistas e caixeiros, chamados de português, defendiam a
Corporação e queriam pegar armas contra a população que a documentação de época
refere-se como “de cor”, em clara demonstração de rixas por espaços de
sobrevivência. (p. 148)
À medida que os
acontecimentos se precipitavam com a discussão do papel do Brasil e de Portugal
no império, dentro do que seriam um corpo autônomo, as pressões da rua
aumentavam, vindo tanto de homens livres pobres quanto de escravos e libertos.
[...] Só seriam denominados cidadão aqueles que estivessem em pleno exercício
do homem: (p.149)
O escravo, porém,
era propriedade especial. Assim, argumentação do Correio do Rio de Janeiro era
dúbia: ao mesmo tempo que julgavam não terem eles direitos à cidadania considerava-os
“brasileiros”. (p.149)
O mundo
institucional não era menos fervescente, do que os acontecimentos nas ruas. O
ano de 1922 foi marcado por uma série de malsucedidos, ora pela longa distância
que separava as duas partes do império, ora pela própria compreensão política
dos atores envolvidos. (p.150)
No decorrer do
período, e diante da atitude intransigente das cortes de Lisboa, depois de
longo hesitar, d. Pedro tomou a atitude de proclamar a independência; [...].
(p.150)
Quando começaram
a discutir o projeto de Constituição, as galerias da assembleia ficaram
lotadas. Os populares acompanhavam o posicionamento dos parlamentares sobre
direitos civis e a opinião que tinham a respeito do ser membro de uma sociedade
política. (p.151)
Enquanto debatiam
a extensão do direito de cidadania, sobressaía nos membros do Parlamento a
preocupação com as parcelas mestiças que poderiam ser excluídas do processo
político (p.151)
À semelhança da
Constituição francesa de 1791, o deputado Rocha Franco incluía um terceiro
ponto distintivo: a separação dos cidadãos em níveis de participação na esfera
política, estabelecendo-se a graduação entre cidadãos “passivos” e “ativos”. De
acordo com o parlamentar, para ser brasileiro não bastava só a naturalidade ou
a naturalização; para isso seria preciso somar a residência no Brasil e a
propriedade. (p.151)
A defesa das
restrições políticas aos mestiços, escravos e estrangeiros, feita pelos
deputados, aproximou-os de Benjamin Constant, jurista francês que muito
influenciou os constituintes e que inspirou um dos principais instrumentos da
Constituição de 1824: o Poder Moderador. [...]. (p.152)
Em 1826, a
Assembleia Geral foi reaberta. Os parlamentares posicionavam-se com cautela.
Temiam desfecho igual ao da Assembleia Constituinte de 1823. Nos primeiros meses
de funcionamento, pregavam a harmonia e o entendimento. As tarefas a cumprir
não eram pequenas. (p.154)
A consequência
direta era os poderes locais ficarem menos sujeitos aos desígnios do poder
central, sobrando para este apenas a indicação dos juízes de direito, que
teriam atuação mais voltada para as questões de justiça propriamente ditas.
(p.156)
Na discussão do
primeiro orçamento do império, os gastos da guerra ocuparam posição central na
dura disputa entre o imperador, a Câmara dos Deputados e o Senado. (p.158)
O segundo
problema a ser resolvido pelo governo foi a repercussão negativa do Tratado de
Paz e Amizade, assinado por Brasil e Portugal para o reconhecimento da
Independência, e o tratado de cessão do tráfico de escravos, acordado entre
Brasil e Inglaterra, em 1826. (p.158)
Desejava-se a
instalação de um sistema monárquico parlamentar, em que se atrelaria a
representação do Ministério à composição da Câmara. (p.160)
Era de imaginar
que o governo pretendesse reverter as dificuldades políticas com a eleição de
Câmara menos radical e mais próxima de suas diretrizes. (p.161)
De um lado o laço
nacional influenciado por nova releitura da liberdade, que se havia fixado na
Câmara dos Deputados desde 1826 e que sempre foi vivida nas ruas. De outro a
certeza de que o imperador não mais representava as aspirações de autonomia
propostas em 1822. (p.164)
De outro lado
tinha-se a “sociedade civil” e os populares, que amadureceram no processo
político, fazendo sua própria leitura sobre os acontecimentos, intervindo de
diversas maneiras no jogo político, fazendo com que o Primeiro Reinado fosse
mais que um momento transitório, para se transformar num época em que a
liberdade, mais que o liberalismo, fosse a palavra de ordem. (p.166)